Itinerário
Roberto Terra Costa
ITINERÁRIO
rota 5
atravessa o campinho das peladas, grama rala, goleiras de
pau, até um boteco na esquina e o fim da vila/ o areão da
ruela graúdo sob as solas/ adiante a estrada alonga-se
entre pastos e campos, roças, chácaras/ seus passos batem
bem, seus sapatos meio por si que os olhos pela várzea e
os morros soltam-se/ poças: céu/ pontilhão no riacho e lá,
a uns cem metros, está a bifurcação
casebre caiado bem no meio dos dois rumos da
estrada, atrás no seu quintal a senhora ao varal
dependurando roupa/ indagada, pára o que fazia e sai, as
mãos no avental ela enxugando, pelo portão/ “olhe”
aponta: “pode ver aqueles eucaliptos, pois não? a trilha
por ali e o senhor só tem que ir em frente”/ “obrigado”/
“ao dispor”/ volta à sua casa rés-de-rua a prestativa, da
via pública
manhã alta/ à sombra das folhas persiste algum
frescor, as nuvens se partindo/ já passou os eucaliptos tão
balsâmicos e sobe pela trilha em degraus, árdua/ tem
resvalos de cascos nas barrocas, também partes pedrentas/
o andarilho a suar e destrajando sua jaqueta apressa-se o
que pode, um fole o fôlego, ao sentir fino olor nas auras do
ar: o verão em flor/ vasta abre-se a paisagem
da rocha à beira tira seu boné e expõe-lhe, ao
vento enxuto, a calva o escriba/ com gosto empina a cara
para o céu tal como sempre quis um dia morrer: de pé em
algum caminho/ ao se voltar depara-se co’um touro todo
branco à borda do barranco, seu maciço porte de encontro
ao azul, as grandes guampas/ em cima o touro-mor
escarva, o sol, e berra seu calor, sua luz pansêmem
o coração batendo entre as costelas, ainda ardente/
anda/ a trilha erodida, água escoando/ se equilibra por
sobre ásperos seixos e pedregulhos/ devagar como à idade
convém e à compleição, mas devagar e sempre, ele se
adianta por entre um capoeirão/ respira fundo/ importa-lhe
que está afinal na ativa: mochila leve às costas, um bastão,
é como tudo começar de novo
pela frente um brejal, o pula-pula de pedra em
pedra e um mato entrelaçado, entrevado/ aí transpõe co’a
maior cautela pinguela/ chega a achar: “eu me perdi”/
pode, que um pouco atrás houve ali ponto onde o caminho
reto dividiu-se, u’a picada partia para a esquerda, ele
porém seguiu esta senda mais aberta/ mas logo avista,
alívio! sobre as copas num mastro de bambu a bandeira
branca
o Bandeira da Paz remoto sítio onde agora Han
Shan morando está, o velho companheiro da Escritura/ o
escriba, um riso em lábios, brilho esperto no olhar adiante-
adiante, premedita fazer uma surpresa, dar um susto no
amigo antigo, “êh” trama: “sacudí-lo no retiro”/ se chega e
afasta galhos, ver melhor o terreiro com o mastro, quando
um: “EI!” lhe toa às costas/ quase morre
não senil velho Han, pelo contrário, magro e teso,
parece u’moço lépido de corpo, no seu rosto um riso
franco/ talvez devido às práticas ascéticas/ “você também
não está mal, de cara ótima, corada”/ “a caminhada para
cá, ufa, o que me esquentou/ mas a propósito, que moquifo este aqui onde vies’te enfiar!”/ “é p’ra só gente tipo assim você poder chegar”/ frontais, riem e se abraçam
saindo da mata já, sem intervalo abre-se o
terreirão à do sol quentura, revoantes as pombinhas/ late
um cão e rindo vem co’o rabo/ ao fundo casa de pau a
pique e de barro, colmo a telha, mas com reboco liso e
limpo/ um toldo p’ra lenha ao lado, d’água poço, horta,
mais além bananal, morros em volta/ e na ramada baixa no
frontispício da choupana a cordial sombra anfitriã
* * *
Estas são as duas primeiras páginas do rota 5,
para acessar o texto completo acesse o link abaixo:

